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quinta-feira, 5 de maio de 2011

O jogo inesquecível do brilhante compositor Arlindo Cruz



Em 1980, Arlindo Cruz já era do samba quando foi ao Maracanã ver o Flamengo passar pelo Coritiba e chegar às finais do Campeonato Brasileiro (Foto: ANDRÉ DURÃO / Globoesporte.com)

Meu Jogo Inesquecível: ritmo veloz do Fla na era Zico toca Arlindo Cruz
Sambista toca versão do 'Samba rubro-negro' para Carlos Alberto, autor de gol na virada por 4 a 3 sobre Coritiba em 1980 na semi do Brasileiro
Por Márcio Mará
Rio de Janeiro

A infância na Piedade foi daquelas de causar inveja aos garotos de hoje. Descalço, seja correndo atrás de pipa ou jogando peão e bola de gude, o menino Arlindo se divertia. Nada, no entanto, o deixava mais maluco do que a irresistível tabelinha samba-futebol. Em 1965, quanto tinha sete anos, ganhou do pai, o Arlindão, o primeiro cavaquinho. Em casa, começava a ensaiar os primeiros acordes. Na rua, com a bola no pé ou o time de botão do Flamengo armado na mesa, sonhava ver o Maracanã lotado e a comemoração da torcida. No mesmo ano, realizou o desejo ao presenciar a vitória por 2 a 1 sobre o Fluminense que garantiu o charmoso título carioca no IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro.

Já fiz um samba, 'Fla-Flu', não muito conhecido. Estou querendo fazer outro, mais popular"Arlindo CruzO herói da partida era justamente o craque do time de botão de um dos maiores sambistas do país, o compositor e intérprete Arlindo Cruz. O camisa 10 dos seus dois Flamengos era Silva Batuta. No Maracanã, naquele 12 de dezembro, o ídolo matou no peito, livrou-se do marcador e fuzilou, sem chance para o goleiro Borracha. O menino repetia ali a comemoração que fazia no estádio imaginário, no meio da calçada, quando o "xará" em miniatura de formato redondo sempre batia de curva para estufar o filó da rede de plástico.

A primeira história de Arlindo Cruz com o Flamengo, apesar de curiosa e romântica, não é a mais marcante. Tal como os primeiros acordes de um samba, impulsionou a paixão. Dali em diante, ele jamais abandonou o clube de coração. A carreira de compositor crescia à medida que o menino virava adolescente, rapaz... E a era Zico foi acompanhada com a mesma frequência com que participava das rodas de samba com o rubro-negro Candeia, símbolo da Portela - falecido em 1978 -, ou com os galácticos do Cacique de Ramos. Na semifinal do Brasileiro de 1980, a vitória por 4 a 3 sobre o Coritiba em ritmo veloz de virada - o time fez três gols em cinco minutos - o levou à euforia.

Naquele ano eu era estudante. Já tinha saído da Aeronáutica e ia ao Cacique. Estava começando a virar compositor. Lembro que fui assistir a esse jogo com o Coritiba e os caras meteram 2 a 0 no começo. Aí se machucou o Zico, depois o Júlio César, Uri Geller... Se eles fizessem mais um gol, adeus. Só que o maluco do Nunes meteu logo dois gols. Pouco depois, veio aquele golaço do Carlos Alberto. E eu estava de frente. Não tinha torcida do Coritiba no Maracanã, a do Flamengo estava cheia. Por isso fui lá para o outro lado, detrás do gol, vendo o time atacar no primeiro tempo. Vi o cara saindo lá de baixo, em velocidade, driblando todo mundo. É um gol inesquecível. A arrancada dele foi sensacional.

Naquele momento, Arlindo já estava sem fôlego. O jogo, realmente, foi dos mais emocionantes da era Zico, com uma avalanche de gols na primeira etapa. O Flamengo tentava naquele ano o seu primeiro título brasileiro, e o time vinha embalado pelo tricampeonato carioca. Dirigido por Cláudio Coutinho, chegou às semifinais com o Coritiba e levou a melhor no duelo no Couto Pereira: 2 a 0, gols de Zico.

Na segunda partida, no Maracanã, diante de quase 90 mil pagantes, o time foi surpreendido por um Coxa disposto a dar o troco. Vilson Tadei abriu o placar aos 21 e Aladim ampliou, dez minutos depois. As contusões de Zico e Júlio César deixaram Arlindo Cruz e os rubro-negros ainda mais tensos. Mas Nunes já antecipava ali que seria o jogador decisivo: diminuiu aos 34 e empatou aos 37. Dois minutos depois, a arrancada do reserva Carlos Alberto, lateral-direito que substituía Toninho, contundido, terminava em gol e enlouquecia o estádio.

Veio o segundo tempo. Anselmo, que substituíra Júlio César, fez o quarto aos 29 com outro golaço. Claudinho diminuiu para o Coxa aos 37, mas já era tarde. Arlindo já se preparava para curtir a noite após a vaga assegurada para as finais, com o Atlético-MG. Perguntado sobre o samba que cantaria para Carlos Alberto, herói daquela partida, não titubeou ao mandar a versão do "Samba rubro-negro", de Wilson Batista e Jorge de Castro, atualizada na época por outro rubro-negro doente do samba, João Nogueira (assista ao vídeo ao lado).

- Essa é pra você, Carlos Alberto! Obrigado pelo gol! Eu estava sozinho naquele jogo. Meu irmão já tinha casado, eu não estava namorando ninguém... Na era Zico, praticamente não perdi nenhum jogo. Eu ficava bolado quando não podia ir, ou numa quarta, ou num sábado. Quase ficava doente. Lembro uma vez que minha mãe, com dificuldade, comprou um radinho de pilha pra mim, para eu ouvir os jogos. E o Flamengo, no dia do seu aniversário, perdeu para o São Cristóvão por 1 a 0 na Gávea. Aí, eu, bolado, pá! Joguei o rádio na parede, quebrei. E entrei na porrada. O coroa ficou na bronca: "Pô, tua mãe comprou o rádio no maior sacrifício..."

É bom lembrar que o pai de Arlindo, o Arlindão, era vascaíno, mas jamais se opôs à preferência do filho. Muito pelo contrário. O levava ao Maracanã para ver Silva Batuta, Almir Pernambuquinho, Carlinhos, o Violino... Depois vieram Reyes, Fio, Doval, Paulo César e os craques da era Zico. Arlindo já ia ao estádio com o irmão mais velho. Uma derrota, no entanto, deixou o sambista-torcedor bem abalado.

- Eu era apaixonado, chorava quando o time perdia. Aquele jogo dos 6 a 0 do Botafogo, em 1972, não foi fácil. Tinha um cara que namorava a minha irmã. Era botafoguense, o Sidnei. Foi ele que me levou. E me encarnou pra caramba. Teve gol de letra do Jairzinho, o Fischer, um argentino atacante, também marcou... Eles tiraram a maior marra com a gente. Em compensação, depois assisti aos dois seis que demos neles, por 6 a 0 e 6 a 1.

Mesmo quando tocava nas rodas de samba, Arlindo sempre dava um jeito de ver os jogos. Seja na primeira fase, de aprendiz. Ou no Cacique de Ramos. Ou quando já estava no Fundo de Quintal, quando substituiu Jorge Aragão.

- Eu comecei a tocar com o Candeia, então ia a muita roda de samba na sexta ou no sábado. O Candeia era flamenguista, mas os filhos dele não. O Jairo era botafoguense e o Edinho, que morreu, também. Não sei por quê... No Cacique sempre tinha muitos jogadores. O Denilson, o Galdino, o Alcir Capita (como Alcir Portela era conhecido), Luxemburgo, Jairzinho, Paulo Cezar Caju, eles curtiam o pagode. Era sempre depois da pelada, primeiro rolava um salão.

Agora, Arlindo celebra a presença de Ronaldinho no Rio e no Flamengo. O craque, segundo o compositor e intérprete, ajuda e muito a resgatar o samba no futebol, hoje com jogadores mais voltados para a música sertaneja ou baiana. Em qualquer época, história de sambista com futebol fica sempre saborosa.

- Tinha uma patota que ia muito ao Maracanã. O Batata, o Acir Marques, meu irmão, o Mineiro, que era flamenguista, foi para Minas e virou atleticano. O Dudu, lá de Campo Grande. Uns primos e tal... No Cacique, o Ubirani é um rubro-negro roxo. E um detalhe: ele sempre atrasava um pouquinho para ir aos jogos. A gente chegava com 15 minutos. Lembro uma vez que teve um Flamengo x Corinthians. Um gol do Júnior Baiano de falta. Estava um a zero e assim terminou. A gente não viu mais nada, o gol já tinha acontecido. O jogo foi até morno...

Certa vez, Beth Carvalho comentou que Arlindo Cruz poderia também ganhar a vida como comentarista de futebol. E o sambista mostra que, apesar de rubro-negro roxo, sabe olhar os craques, nem que sejam dos maiores rivais.

- O Zico, sem dúvida, foi o meu maior ídolo. Mas o Rivelino foi um cracaço que eu vi jogar. Não atuou no Flamengo, mas era fantástico. O Jairzinho também. Carlos Alberto Torres, idem... No Flamengo, tinha o Geraldo, Assobiador, o Adílio.. Leandro era fantástico, Junior fantástico... Outro cara do samba. Estive com ele recentemente, foi me dar um abraço na Nut. Em 1982, quando gravou o "Voa, canarinho", já estava se chegando para o samba. Foi lá para o Cacique, se entrosou com a rapaziada e gravou até um samba meu. Acho que "A luz do teu olhar", com a Lecy Brandão...

O papo não terminava. No palco do Teatro Rival, preparando-se para mais um dos shows que tem feito pelo Rio de Janeiro, Arlindo Cruz dá uma pausa no banjo para lembrar outro momento marcante como torcedor. Lembra um ídolo que depois se tornou algoz, atuando pelo Fluminense. E volta a dizer que a união do samba com futebol pode dar boa música.

- Teve um jogo que o Renato Gaúcho calou o Mineirão, naquele Flamengo 3 x 2 Atlético Mineiro . A gente estava lá no pagode, mas quando o Galo empatou, nós paramos de tocar. "Pô, ferrou!", pensamos. Mas aí, menos com um a menos, a gente conseguiu o gol da vitória. Era uma quarta-feira, meio da semana. O Mengão me dá boas recordações, muitas alegrias. Estou muito feliz com a nova fase. O Ronaldinho, um cara do samba, do bem, é bom para a gente, para divulgar. Eu já fiz um samba, "Fla-Flu", mas não é muito conhecido. Estou querendo fazer outro, mais popular, para a galera cantar. Vamos ver...

flamengo 4 x 3 coritiba Raul, Carlos Alberto, Rondinelli, Marinho e Júnior; Andrade, Adilio e Zico (Reinaldo); Tita, Nunes e Júlio César (Anselmo). Moreira, Gilson Paulino, Gardelo, Eduardo e Wilson; Leomir, Almir, Luís Freire e Vilson Tadei; Escurinho e Aladim (Claudinho).
Técnico: Cláudio Coutinho. Técnico: Mário Juliato.
Gols. Vilson Tadei, aos 21, Aladim, aos 31, Nunes, aos 34 e 37, e Carlos Alberto, aos 39 minutos do primeiro tempo. Na segunda etapa, Anselmo, aos 29, e Claudinho, aos 37 minutos.
Árbitro: Carlos Sérgio Rosa Martins.
Data: 25/05/1980. Local: Maracanã. Competição: Campeonato Brasileiro (semifinal). Público: 87.934 presentes.

Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2011/05/meu-jogo-inesquecivel-ritmo-veloz-do-fla-na-era-zico-toca-arlindo-cruz.html

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