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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Sob a batuta do Maestro Júnior


A Nação já tinha um Deus, Antônio José da Raça Rondinelli Tobias. Já éramos todos súditos de Rei Arthur Primeiro e Único. Colecionávamos heróis como figurinhas emocionais, todas carimbadas pela nossa paixão. Um dia, um desses heróis pendurou seu capacete black power de tantas batalhas e tomou em mãos uma batuta para reger a Nação que cantou, cantou e cantou. A cada canto mais o Maestro crescia. E assim fomos pentacampeões.

Conte comigo, Mengão:

Campeão 80: O Brasil aos Pés de um João Danado

Bi 82: Cala-te, Olímpico

Tri 83: São Judas Tadeu Maior do que Todos os Santos

Tetra 87: Campeão da Verdade

Penta 92: Valeu, Maestro!

Toda a gratidão do mundo, desta e de outras vidas e de cada um dos 35 milhões a você, Leovegildo Lins da Gama Júnior.

Valeu, Maestro!

Mauricio Neves


domingo, 1 de julho de 2012

A eterna magia do Fla X Flu

Entrevistão: os Fla-Flus de pais e filhos do recordista, o Maestro Junior

Ídolo, com 48 jogos, é 'batizado' no clássico quando menino no ombro do pai tricolor na final de 63. Em 91, abraça filho no campo após gol do título

Por Márcio Mará e Thiago Ribeiro

Rio de Janeiro

Era um domingo dos mais esperados aquele do dia 15 de dezembro de 1963. Decisão no Maracanã. Fla-Flu. Na companhia do pai e do tio, dois garotos se depararam com uma verdadeira multidão ao chegarem ao estádio. Um público de 177.020 pagantes. Mais de 190 mil presentes. Até hoje recorde mundial de todos os clássicos. Ali, espremido na geral, em cima dos ombros de seu Gildo, o caçula, de nove anos, olhava fixo para todo o espetáculo de cores nas arquibancadas. Abismado com toda a beleza, não poderia imaginar que naquele dia, naquela hora, começava a escrever a sua história no meio da rivalidade.

Esse Fla-Flu da infância foi o "batizado" para o futebol do recordista do charmoso duelo. Leovegildo Lins Gama Junior, paraibano de nascença, carioca da gema, foi quem mais entrou em campo para disputá-lo. Em 48 partidas - Jarbas, ponta rubro-negro dos anos 30 e 40, está empatado nos números.-, mostrou como poucos o seu talento. O Junior Capacete dos anos 70 e dos dourados anos 80 do Flamengo. O Junior Maestro dos anos 90, que sentiu, no momento do derradeiro gol do título carioca de 1991, na euforia estampada no rosto do filho Rodrigo, presente à beira do campo, a passagem de bastão: era mais um Fla-Flu de pais e filhos.

- Quando faltavam três minutos, olhei para a beira do campo, estava o seu Neném, conselheiro do Flamengo, de mãos dadas com ele. Tinha cinco, seis anos de idade. Fiquei pensando: "O que esse moleque está fazendo ali?" Porque, para mim, não era para ele estar ali. Vai que toma uma bolada... Mas ele já estava ali esperando o fim do jogo. O mais engraçado é que quando acabou o jogo ele correu para mim e disse: "Pô, pai, nós ganhamos. " Mas ele falou o "nós ganhamos" como se tivesse jogado. E na verdade jogou, estava do meu lado ali. Tem umas imagens desse período e toda vez que vejo aquela imagem a garganta dá uma secada... Eu poderia dar qualquer coisa para o meu filho em termos materiais. Mas proporcionar para ele aquilo ali com 36 anos de idade era uma coisa que só poderia ser naquele momento -disse o emocionado Junior, num descontraído papo num bar em Copacabana.

Numa das tradicionais esquinas do bairro que escolheu para viver boa parte de sua vida - agora, o atual comentarista da TV Globo vive na Barra da Tijuca -, Junior mostrou que tem o espírito da coisa. Em meio às resenhas nas quais contava as deliciosas histórias vividas no clássico, era sempre requisitado para um aperto de mão, um forte abraço ou até para ganhar presente. E a cada ex-vizinho ou amigo de fé que surgia, vinha sempre uma nova boa lembrança. Pouco antes de ter completado 58 anos nesta última sexta-feira, falou de sua relação de carinho pelo Fluminense, time para o qual torcia seu pai. Garantiu ter sido sempre rubro-negro, ainda que esse detalhe seja irrelevante para um personagem tão identificado com as cores rubro-negras.

- Essa história de dizerem que o Junior era tricolor não modifica em nada. O mais importante é que eu acompanhei as histórias dos dois clubes. Não teria problema nenhum se eu tivesse torcido para o Fluminense, até mesmo em função do meu pai e do meu tio. Mas a vida toda mostrou o lado exatamente em que eu estive... Meus amigos na praia, quando a gente começou a jogar no Juventus, a maioria toda era Flamengo. E eu ia para o Maracanã escondido... Só a minha mãe, rubro-negra, sabia. Eles, não. Eu já tinha de 11 para 12 anos. Já estava mais definido para o lado do Flamengo.

Na hora do chute do Escurinho, da defesa do Marcial, a gente já estava se encaminhando para sair. Só ouvimos o "Uuuuuh"... "JuniorNo Fla-Flu, Junior viu também sua história mudar. O troca-troca entre os dois clubes ocorrido em 1976 e promovido pelo então presidente tricolor Francisco Horta, representou para o lateral mudança de posição. Com a chegada de Toninho, jogador de seleção brasileira, o então jovem trocou a lateral direita pela esquerda, onde se consagrou. O eterno Maestro rubro-negro afirmou ter buscado inspiração nas jogadas de Marinho Chagas, o Bruxa, lateral-esquerdo do Botafogo e da Seleção nos anos 70, para se adaptar ao novo setor. Lembrou também das boas lições aprendidas com Paulo Cezar Caju e Samarone, ídolos de infância, e o argentino Doval, companheiro de time e depois rival. Do perfume francês de PC comprado por todos os jogadores rubro-negros à loucura de Rondinelli para conter um chute de Rivellino até a virada rubro-negra capaz de fazê-lo comemorar de forma tresloucada em 1993, não faltam histórias desse bom sujeito do samba e da bola.

Você é o jogador, junto com Jarbas, o Flecha Negra, ponta do Flamengo dos anos 30 e 40, que mais vezes atuou num Fla-Flu. Como se sente fazendo parte de forma importante desse clássico, que completa agora 100 anos?

Quando soube que tinha sido o jogador que tinha participado de mais Fla-Flus, fiquei pensando que isso não é uma coisa de só quando me tornei profssional. Meu pai era tricolor, meu tio-avô, o Aloísio, também. Foram os dois que me encaminharam para ver futebol. Dentro de casa, tinha minha mãe, flamenguista doente. Comecei a ir ver os jogos com eles. Com nove anos de idade, eu e meu irmão mais velho, o Lino, fomos àquela final do Carioca de 1963, o 0 a 0 no Maracanã.

Essa é a partida que teve o maior público de todos os Fla-Flus...

Subimos para a arquibancada, mas estava impossível de a gente entrar. Logo naquela primeira entrada. Aí a solução que o meu tio deu foi: "Ah, vamos lá pra geral..." Eu tinha nove, meu irmão mais velho tinha 11 anos. Nosso sonho era ver na geral. Só que naquele dia a geral tava super, hiperlotada. Então eu, como era menor e pesava menos, vi o joguinho todo nas costas do meu pai, do velho Gildo. É uma das grandes lembranças que eu tenho da infância.

No fim do jogo, teve aquela bola do Escurinho que o Marcial, goleiro do Flamengo, salvou. Viram bem o lance?

Na hora do chute do Escurinho, da defesa do Marcial, a gente já estava se encaminhando para sair. Eles estavam preocupados com a nossa saída. Só ouvimos o "Uuuuuh"... A gente ia ao jogo mais em função do meu tio e do meu pai.

Com a camisa rubro-negra, que vestiu 857 vezes de 1974 a 1993, o mangueirense Junior fez história e teve como grande companheiro e amigo outro ídolo rubro-negro: Zico (Foto: Editoria de Arte / Globoesporte.com)

Afinal, você era tricolor na infância?

Essa história de dizerem que o Junior era tricolor não modifica em nada. O mais importante é que eu acompanhei as histórias dos dois clubes. Não teria problema nenhum se eu tivesse torcido para o Fluminense, até mesmo em função do meu pai e do meu tio. Mas a vida toda mostrou o lado exatamente em que eu estive... Mas conheço muito a história do Fluminense naquela época. Aquele time do Félix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa, Samarone, Claudio e Lula. Porque eu acompanhava com eles. Tinha a "Revista dos Esportes", o "Jornal dos Sports". Mas meus amigos na praia, quando a gente começou a jogar no Juventus, a maioria toda era Flamengo. E eu ia para o Maracanã escondido... Só a minha mãe, rubro-negra, sabia. Eles, não. Eu já tinha de 11 para 12 anos. Já estava mais definido para o lado do Flamengo.

O Fla-Flu sempre esteve muito presente em sua vida...

O mais engraçado é que hoje, trabalhando como comentarista de TV, faço muitos jogos. Fluminense na Libertadores, então, eu ia direto. Quando entro no avião às vezes, aí o cara vira... "Ô, ô, ô, o Junior é tricolor..." Eu digo: "Eu sou. Vermelho, preto e branco." Brinco com a galera. Mas é legal porque existe um respeito muito grande por parte da torcida do Fluminense. Talvez de todas as torcidas adversárias seja a que me trata melhor. Também pelo fato do meu pai, do meu tio... a minha história. Cheguei a treinar no Fluminense em 73 levado pelo Mozart de Giorgio, nosso vizinho, muito amigo do Parreira, treinador do time de cima. E eu fui treinar no Fluminense. Tive sempre alguma ligação com o Fluminense na minha vida.

Lembra do primeiro Fla-Flu como jogador?

Não lembro do meu primeiro Fla-Flu (foi em 1974, pelo Carioca, e o Fla venceu por 2 a 1). Lembro bem de um dos mais importantes, o de 1991, do meu retorno da Itália. O Rodrigo, meu filho, pequenininho, final do Campeonato Carioca, ele na beira do campo. Esse eu lembro muito bem. O outro de ótima recordação foi o primeiro jogo como lateral-esquerdo, o do troca-troca. O Toninho veio para a lateral direita, o Doval foi para lá. Rodrigues Neto e Renato também. Roberto e Zé Roberto foram para o Flamengo. Ganhamos de 4 a 1, foi o jogo da "Zicorvardia", manchete de jornal, o Galo fez quatro gols. O nosso técnico era o Carlos Froner. Teve um jogo lá em Caxias do Sul quando aconteceu o troca-troca no Rio. Aí o Froner falou para mim que ia me experimentar no lado esquerdo. Era meio complicado barrar o Toninho, que estava chegando. Ele dividia a vaga de titular da Seleção com o Nelinho. Eu disse que não tinha problema nenhum em ir para a esquerda, podia tentar. Acho que o Froner sentiu que dava para eu me adaptar.

E foi fácil a adaptação à lateral esquerda?

Aí passei pelo processo do paredão de madeira lá na Gávea, de perna esquerda, de cruzamento. Até pegar... Uma coisa é sair da direita para a esquerda. É uma diferença muito grande. As pessoas até acham que não. A arrancada, a cobertura...Aos poucos, fui aprendendo.. Lembro que no primeiro gol do Zico com um cruzamento meu de perna esquerda eu vibrei mais do que ele... Porque aí foi a certeza de que eu poderia jogar naquela posição. E aquele ano para mim, 76, foi legal. Tive a primeira convocação para a Seleção já como lateral-esquerdo.

Como os jogadores reagiram àquele troca-troca entre Flamengo e Fluminense? Não sentiram desvantagem para o Flamengo na situação?

Doval foi um dos que mais vestiram a camisa do Flamengo na concepção da palavra. Pela raça, luta, entrega, técnica"JuniorAcho que naquele período o doutor Francisco Horta vinha com aquelas ideias do troca-troca para revolucionar o futebol carioca e conseguiu. O fato de o Rivellino ter vindo naquele período foi uma tacada de mestre. Além de o Fluminense ter montado aquela Máquina com Paulo Cezar, Dirceu & Cia. Nós sentimos esperteza, na verdade. O Flamengo não precisava de um lateral-direito. Mas veio o Toninho. Zé Roberto não veio para ser o titular na ponta, e muito menos o Roberto para ser o goleiro. Mas eu acho que esses caras se integraram de uma forma tão legal... Primeiro, achamos que tínhamos saído no prejuízo. O Renato, o Doval e o Rodrigues Neto foram para ser titulares lá. O Fluminense estava carente naquele período.

E o Doval era ídolo no Flamengo...

O Narciso era especial para todos nós. Não somente pela capacidade técnica. Doval foi um dos caras que mais vestiram a camisa do Flamengo na concepção da palavra. Pela raça, luta, entrega, técnica tudo isso. Só que o Zé Roberto, Roberto e o Toninho se integraram de uma forma muito legal, exatamente no período em que se estava montando o time que, a partir de 78, viveu a época de ouro do Flamengo. O Zé Roberto, um cara extremamente inteligente. O Roberto, com uma participação muito grande, principalmente fora do campo, na ajuda aos mais novos. E essa integração foi boa. Na parte técnica, acho que o Flu até levou uma vantagem. Mas nos outros quesitos terminamos levando a melhor.

O Toninho se encaixou bem no time. O Cláudio Coutinho o usou bem para as jogadas das ultrapassagens, para o lateral ir à linha de fundo...

Quando foi montado aquele esquema das ultrapassagens, que o Coutinho chamava de overlaping, o Toninho, pela velocidade e pelo timing que tinha... O Baiano era um cavalo de raça. Um cara com preparo físico acima da média. Era muito legal porque treinávamos separadamente os laterais. Eu, ele, o uruguaio Ramirez, treinávamos juntos. Como ele estava fisicamente na ponta dos cascos, carregava a gente. Isso contribuiu muito para que a nossa evolução física fosse muito legal.

Junior lia as crônicas de Nelson Rodrigues e Mario Filho (Foto: André Durão / Globoesporte.com)

Como foram os duelos com a Máquina?

O Rivellino matou no peito, a bola quicou e ele armou para chutar. O maluco do Rondinelli deu voadora de cabeça, à meia altura... "JuniorEram aquela história do Davi contra o Golias. Você tinha do lado de lá sua fera, o Rivellino. Gente com passagem pela Seleção Brasileira... Na verdade, a gente começando a carreira. Mas para nós era sempre incentivo e motivação. O Fla-Flu exerce um fascínio diferente para quem está lá embaixo, no campo. Você olha para a arquibancada, é a mistura do vermelho com o preto, e o verde, vermelho e o branco, é uma coisa totalmente diferente. Os Fla-Flus não eram levados pela agressividade, pela violência. Era uma coisa muito mais como aquela coisa do Nelson Rodrigues, que sempre escreveu coisas maravilhosas, o Mario Filho também, com crônicas maravilhosas... Este clima era o que a gente via nos Fla-Flus. Se você for buscar, dificilmente vai ver Fla-Flus com brigas homéricas. Vai ver Fla-Flus com grandes espetáculos.

Mas o Doval, por exemplo, era catimbeiro...

Com o Doval, eu, pelo menos, não falava com ele. Porque o Gringo não olhava para a cara do adversário. Ele dava o seu bico, a sua cotovelada independentemente de quem fosse. Ele era assim quando jogava no Flamengo, no Fluminense, na seleção argentina, era sempre assim. Então não tinha papo com ele no campo.

Que história curiosa tem para contar desses Fla-Flus com a Máquina?

Teve um episódio com o Rivellino. Uma bola que sobrou, a defesa tirou, o Rivellino matou no peito, ela quicou e ele armou para chutar. Quando armou para chutar, o maluco do Rondinelli, o Deus da Raça, deu uma voadora de cabeça, à meia altura, para evitar que o Rivellino pudesse finalizar. Só o Rondinelli mesmo para fazer alguma coisa daquele tipo. Eu acho que o Riva ficou com pena dele e não chutou. Porque se tivesse chutado, a cabeça do Rondinelli tinha voado.

Naquele tempo, existia uma convivência boa entre os jogadores. O Pintinho, do Fluminense, e o saudoso Geraldo Assobiador, do Flamengo, eram amigos inseparáveis e se enfrentavam sempre nos Fla-Flus sem qualquer problema.

O Pintinho era meu vizinho.em Botafogo; Ele morava no terceiro, eu morava no sexto andar. Acabou o jogo, a gente se via, estava nos mesmos lugares, não tinha essa rivalidade, essa cobrança de um não poder estar com o outro. A nossa galera era sempre a mesma que se divertia depois do jogo. Ia ao Monte Líbano no carnaval, pro Vidigal, pro samba no Águia. E isso não fazia nenhuma diferença na hora de uma dividida do Pintinho com o Geraldo. Ninguém tirava o pé. E nem por causa disso eles deixaram de ser amigos.

Você falou com empolgação do fascínio que o Fla-Flu exerce. É mesmo especial?

O Paulo Cezar Caju era o mais chato de ser marcado. Quando balançava na frente, era complicado"JuniorO Fla-Flu era aquele clássico que tinha alguma coisa de diferente. Os clássicos vão por períodos, momentos. O Fluminense desse momento, 1975, 76, era uma motivação absurda. Era você querer ganhar do melhor, que estava em evidência. Em outros períodos havia a rivalidade eterna com o Vasco e até mesmo com o Botafogo. Menos com o Botafogo naquele período porque não estava muito bem das pernas. Mas tivemos períodos com o Botafogo de muita dificuldade. Só que com o Fluminense era diferente. Pelas coisas que eu já citei. Da torcida, as cores, e principalmente a questão da agressividade. Não era um clássico que era levado à violência. Tinha jogo viril, chegada, mas violento, não.

Os jogadores liam muito Nelson Rodrigues e Mario Filho naquela época?

Mesmo você não querendo, as frases do Nelson e do Mario Filho eram sempre manchetes. Aquela história de que o Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada... Só o Nelson Rodrigues para pensar numa coisa assim..

Qual derrota para o Fluminense doeu mais?

Mais para frente, a derrota de 1983. Até hoje eu cobro do Arnaldo (Cezar Coelho, comentarista de arbitragem da TV Globo e árbitro na época). Não houve impedimento do Adílio. Mas marcaram. O Delei bateu, o Assis fez o gol. Acho que antes de minha ida para Itália foi meu último Fla-Flu. Ele diz que quem deu foi o bandeirinha... "Mas você não é a voz do campo? Autoridade máxima?", perguntei. Naquele jogo de 1983 comandamos o jogo praticamente todo. Mas só termina quando o juiz apita. O pior foi acabar da forma como acabou. Era um lance legal que podia proporcionar para a gente uma chance de gol. E terminou sendo revés.

Depois, em 1991, foi a sua vez de ser campeão...

Oito anos depois, tive a oportunidade de ter a forra. Voltei para o Brasil após o pedido do Rodrigo, meu filho. Ele queria me ver jogando no Flamengo, principalmente depois que viu uma fita com os gols do Zico lá em Pescara. Em 1990 ganhamos a Copa do Brasil mas foi em Goiás, ele não viu. Aí teve a final do Carioca com o Fluminense. Fiz o quarto gol, foi 4 a 2 o jogo. Quando faltavam três minutos, olhei para a beira do campo, estava o seu Neném, conselheiro do Flamengo, de mãos dadas com ele. Tinha cinco, seis anos de idade. Fiquei pensando: "O que esse moleque está fazendo ali?" Porque, para mim, não era para ele estar ali. Vai que toma uma bolada... Mas ele já estava ali esperando o fim do jogo. O mais engraçado é que quando acabou o jogo ele correu pra mim e disse: "Pô, pai, nós ganhamos. " Mas ele falou o "nós ganhamos" como se tivesse jogado. E na verdade jogou, estava do meu lado ali. Tem umas imagens desse período, e toda vez que vejo aquela imagem a garganta dá uma secada... Eu poderia dar qualquer coisa para o meu filho em termos materiais. Mas proporcionar para ele aquilo ali com 36 anos de idade é uma coisa que só poderia ser naquele momento. Minha mulher mesmo queria ficar mais tempo na Itáia. "Eu disse: Pô, mas se não for agora, não vai dar tempo." E ela: "Pô, mas vão chamar você de velho..." Mas eu sabia das minhas condições. Aquele momento foi único da minha vida. E calhou de ser contra o Fluminense.

Aquele time acabou sendo a base para o do título brasileiro de 1992...

 Ali com o Carlinhos a gente conseguiu criar um módulo de jogo. Nós não sabíamos a forma como jogávamos. Quando ele conseguiu botar o Paulo Nunes ou o Julio César na direita e o Nélio na esquerda, começou a haver um revezamento. Fizemos um 4-5-1, só com o Gaúcho na frente, os caras ajudando os laterais. Então, naquele finalzinho a gente se encontrou, e isso teve consequências melhores quando levamos o Brasileiro de 92.

A companhia do Zinho no meio-campo o ajudou muito?

Zinho sempre foi aquele cara da qualidade e da quantidade. É até uma injustiça quando falam que o Zinho é isso, o Zinho é aquilo... Precisa você ter um Zinho no seu time para dar valor que nós demos. Depois fui observador do Parreira da Seleção em 1994 e só nós sabíamos da importância do Zinho. Tanto quanto o Bebeto, o Romário, o Aldair, o Dunga. Fazia aquele papel obscuro, que não aparecia. Mas que coletivamente era fundamental. Ele dizia que a gente tinha uma espinha dorsal no Flamengo: o Gilmar, o Gottardo, eu e o Gaúcho. Eu dizia para ele que tinha mais um. Mesmo sendo garoto, participava das nossas reuniões, era um cara mais maduro. Líder junto ao Paulo Nunes, Marcelinho, Djalminha, Júnior Baiano, Nélio. Quando a gente precisava de alguma coisa, muitas vezes não ia. O Zinho fazia, filtrava para a gente. A gente dava sempre uma aparada de aresta no ambiente. Ele foi fundamental nesse período.

O Flamengo nem era favorito naquele Fla-Flu. O time do Flu era bom...

Encontrei com o Edinho, que era treinador do Fluminense, e ele disse. "Pô, só você mesmo para me derrubar. Se não tivesse você, nada tinha acontecido. " Tá de brincadeira, né? O Fluminense estava com um bom time. O Ézio, numa forma espetacular. O Bobô tinha saído do Flamengo e se encontrado no Fluminense. Ele se machucou naquele jogo, e quando saiu o Fluminense deu uma caída. O time deles estava brigando e era o favorito para conquistar aquele Carioca.

De todos os jogadores do Flu que enfrentou, qual era o mais chato de ser marcado?

O Paulo Cezar Caju. Eu ainda enfrentei o Paulo jogando de lateral-direito, e ele na ponta... Em 1975. O Paulo sempre foi o nosso ídolo, desde o período em que jogava no Flamengo. Aquele campeonato de 72 ele ganhou praticamente sozinho. Além disso, tenho um carinho absurdo por ele. Quando o Colúmbia fazia os jogos de final de ano lá no Leblon, era um jogo do Colúmbia contra os jogadores profissionais. Foi ele que me deu a primeira oportunidade de jogar entre os profissionais porque eu já enfrentava o Colúmbia. Então, no meu primeiro ano, em 74, ele me chamou para jogar lá. Foi um irmão mais velho para a gente e sempre uma referência. Então, para marcá-lo, dar um pontapé nele, uma chegada mais junto, eu pensava duas vezes, fora a qualidade técnica dele. O Paulo, quando balançava na frente, era complicado. Ele saía para os dois lados. Jogava com a perna esquerda com a mesma facilidade que com a direita.

Foi até um aprendizado bom, porque ele era destro e jogava pela esquerda...

Talvez o meu grande exemplo para a lateral esquerda tenha sido o Marinho Chagas. Eu o acompanhei bem na Copa do Mundo de 74. Quando acabou o Mundial, só se falava nele. E eu jamais poderia imaginar que ia jogar também na lateral esquerda. Aí comecei a me lembrar das coisas que o Marinho fazia. Aquela puxada para dentro. Fingir que ia para o fundo, puxava para dentro, para bater no gol... Aí você começa a ver um filmezinho e a aprender com tudo isso aí. Esses caras para a gente sempre foram referências.

Houve menos convivência com o Paulo Cezar no Flamengo?

Eu estava no futebol de salão nessa época. Fui para o campo em 1973. Mas acompanhava os treinamentos; Até porque eles treinavam antes da gente. Além de eu conhecer o Paulo do futebol de praia. Então o Paulo sempre falava comigo e não falava com os meus amigos. Aí os caras chegavam: "Pô, você conhece ele?" "É, conheço da praia..." Isso me enchia de orgulho. "Pô, o Paulo me conhece..."

Na época, ele já era o craque da moda...

Mas era mesmo..E lançava moda. O Paulo foi o Neymar desse período. Pintava o cabelo, comprava carro, aí todo mundo fazia as mesmas coisas. Lembro que quando foi para a França e voltou, descobriu um perfume chamado Monsieur Heim. Aí todo mundo ficou de olho. "Vamos comprar esse perfume?" Descobriram o lugar. Uma vez chegou todo mundo com o mesmo cheiro dele para uma boate que nós íamos Ele perguntou que perfume estávamos usando. Dissemos que era o Monsieur Heim. Aí ele perguntou: "Mas por quê? Esse é o meu perfume!" Todo mundo riu. Depois, ele se rendeu e aí passou a trazer para a gente.

Voltando aos Fla-Flus, teve um de virada, em 1993, pelo Carioca, vencido pelo Flamengo por 3 a 2, que você costuma considerar como dos mais emocionantes. Conte um pouco sobre esse jogo.

Pelas circunstâncias daquele jogo, foi difícil. O Fluminense dominou a gente, poderia ter metido uns três ou quatro. Virou 2 a 0. E quando voltamos para o vestiário, a primeira conversa que tivemos foi que aquilo não era o Flamengo. "Estamos jogando um Fla-Flu. Se a gente escapou de tomar uma goleada, vai ter que fazer alguma coisa." Carlinhos fez algumas modificações na parte tática e nas substituições, voltamos outro time. Sabe quando você sente que vai acontecer alguma coisa favorável? Desde o início do segundo tempo tive essa sensação. Aí fizemos um, dois, e no finalzinho dei a sorte de ter uma bola escorada pelo Gaúcho de cabeça, dominar no peito e, antes de ela quicar, bater de primeira e ela entrar. Dá pra ver que a minha vibração é de alguém que está tirando alguma coisa que não é só de alegria. Era de tirar um peso que estava incomodando.

É daqueles jogos da história da segunda pele, o que te fez dar mais sangue em campo?

Não. Jogo de segunda pele foi o terceiro da final do Carioca de 1981 contra o Vasco. Era na semana da morte do Cláudio Coutinho, nosso ex-treinador. Aquele jogo foi o que mais encarnei... Teve aquele carrrinho pra cima do Mazaropi, para a bola sobrar para o Nunes fazer o gol. Mas, na verdade, a história de encarnar a segunda pele era toda vez que estava em campo.

Há um tempo, numa entrevista, você falou muito bem do Samarone, que jogou no Fluminense nos anos 60 e 70 e depois foi para o Flamengo. Era seu ídolo também?

O Samarone eu seguia quando estava na Portuguesa de Desportos. Foi para mim a maior concepção de jogo coletivo de um profissional de futebol. Quando foi para o Fluminense ficou mais perto, pude vê-lo melhor. E depois foi para o Flamengo em 70. Uma vez, conversando com ele, perguntei: "Samarone, alguma vez você pensou em você mesmo?" Ele me disse: "Pra quê? O jogo não era de 11? Qual a diferença do meu companheiro ou eu fazer o gol? Nenhuma. O importante era a gente ganhar no fim. " Isso, para mim, sempre foi o meu conceito de jogo. Não é futebol association? Então, vamos nos associar. Isso era uma das coisas que mais me deixavam impressionado. Porque jogador tem aquela coisa da vaidade. Querer fazer um gol num Fla-Flu, num jogo importante. O cara não pensava assim. Isso era uma coisa muito maneira nele.

E tecnicamente?

Nem se fala. Se ele fisicamente tivesse uma qualidade melhor, teria feito uma carreira mais brilhante. Mas tinha uma vida completamente diferente da dos jogadores de futebol. Era engenheiro. Ainda é engenheiro. Outra cabeça.

Que Fla-Flu não jogou e gostaria de ter jogado?

Talvez o do Leandro, de 1985, que as pessoas vieram me contar depois. Ele fez o gol lá do meio da rua, a bola bateu nas costas do Paulo Victor e entrou. Eu estava na Itália, as pessoas vieram me contar."Pô, você tem que ver o que aconteceu..." Não dá para imaginar. Cada jogo é uma história. O Leandro chuta a bola do meio-campo, a bola bate na trave, nas costas do Paulo Victor e entra. Parecia que era um título. A primeira coisa que fiz quando eu cheguei ao Rio de Janeiro foi catar o videoteipe daquele jogo. Deu vontade de jogar, principalmente aquele fim de jogo.