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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O maior jogo da história

Há exatos trinta anos, em Tóquio, no Japão, Flamengo de Zico, Júnior, Nunes e companhia coloria o mundo de vermelho e preto

Equipe do Flamengo conquistou o Mundial Interclubes há trinta anos

(Foto: Sebastião Marinho/Agência O Globo)
Claudio Portella
Publicada em 13/12/2011 às 07:00
Rio de Janeiro (RJ)

Para muitos ser campeão do mundo é o sonho de uma vida, o ápice, o maior acontecimento dentro da carreira de um esportista. Poucos podem descrever este sentimento. Desde o dia 13 de dezembro de 1981, a maior torcida de um clube de futebol do Brasil e uma das maiores do planeta, sabe o que é isso. Motivo de orgulho da imensa nação rubro-negra, os triunfantes 3 a 0 sobre o Liverpool, na final do Mundial Interclubes, completa 30 anos. Embora tenha passado bastante tempo, aquele dia foi escrito pelos pés de verdadeiros artistas da bola, e pemanece na História do futebol mundial.

Chegada ao Japão

A delegação do Flamengo chegou dois dias antes do jogo. O cansaço devido à maratona das decisões de Libertadores e dos três duelos com o Vasco é um dos muitos percalços que o grupo rubro-negro teve que enfrentar. Uma parada em Los Angeles, nos Estados Unidos, e a visita à Disneylândia deixou o clima no elenco mais leve, relaxado.

No hotel, já em Tóquio, no Japão, onde aconteceria a final, muita conversa e um clima de descontração em meio a tanta ansiedade. Cada jogador que vestia vermelho e preto sabia da importância daquele momento. Em breve fariam História, ou melhor, escreveriam-na, não com suas mãos, mas com seus talentosos pés. O duelo entre Flamengo e Liverpool não significava somente um confronto entre Brasil e Inglaterra ou a tradicional rivalidade entre sul-americanos e europeus. Estariam em campo dois clubes com torcidas fanáticas, em busca da conquista do mundo pela primeira vez.

- Nosso grupo era simples. Respeitávamos um ao outro. Todos estavam ansiosos antes do jogo, pois queríamos definir logo. Nossa concentração foi normal como em qualquer outra partida. Não mudamos a nossa maneira de ser. Sempre soubemos o que fazer - contou o ex-ponta-direita Tita, ao LNET!.

O jogo

Chega o dia da grande decisão. Naquele ano de 1981, nenhuma madrugada teve mais gente acordada no Rio de Janeiro, quanto aquela. O time do Flamengo entra em campo com uma pequena surpresa: a camisa vermelha e preta, já conhecida e consagrada, dá lugar ao segundo uniforme, predominantemente branco. Quem ostentaria o vermelho naquela final seriam os ingleses, que, pomposos e cheios de cartaz, entram com arrogância, como se o duelo estivesse "no papo". Talvez por ter a preferência de usar suas cores ou por não saber o que realmente enfrentariam. Não sabiam, que fosse a cor que vestisse, o Flamengo possuía um escrete repleto de habilidade e simplicidade.

- Quando entramos em campo, percebemos o menosprezo deles. Conversamos entre nós e usamos isso como um fator motivacional. Se acharam que nos intimidariam, erraram. Fomos para cima deles - lembrou o ex-zagueiro Mozer.

Foi o que aconteceu. Não demorou muito para o time de branco impor seu ritmo, desconhecido pelos gringos, mas enaltecido em solo canarinho, fundamentado num toque de bola envolvente, entrosamento e alegria. Bastaram 13 minutos de jogo para que Zico achasse o centroavante Nunes. Com um lançamento genial do Galinho, - entortando a coluna do coitado do defensor inglês - o camisa 9 não perdoou e mandou para o fundo das redes. Seria um golpe de sorte dos brasileiros? A resposta veio minutos depois. Tita levou uma rasteira perto da área. Zico bateu a falta e o goleiro Grobbelaar bateu roupa. No rebote, lá estava o meia Adílio para conferir. O Fla fazia 2 a 0.


Jogadores desembarcam no Rio após a conquista do Mundial (Foto: Agência O Globo)
Mas o que será que pensavam os ingleses naquele exato momento? Afinal, levaram uma surra de um time que, até então, era tido como uma barbada para o tal Exército Vermelho - como eram conhecidos na terra dos Beatles.

Logo eles percebiam mesmo que "You'll never walk alone", hino cantado pelos torcedores do Liverpool durante os jogos, não teria vez naquele dia 13 de dezembro de 1981. A música que ganhava força no estádio Nacional, em Tóquio, era um samba bem brasileiro e tinha em Zico o grande compositor, o melhor em campo naquela final. Os ingleses dançaram o baile vermelho e preto (naquele dia, branco também). E, se não conheciam bem o Flamengo, agora sabiam bem do que se tratava. Com requintes de crueldade, o aniquilador de decisões, Nunes, ainda fez o terceiro gol, ainda na primeira etapa.

- Sempre fui um centroavante que treinava bastante, me aperfeiçoava nos chutes a gol e nos cabeceios. Sempre acreditava que o goleiro iria soltar as bolas. Estava voando na decisão. Não foi novidade, a minha disposição em campo mostrava isso. Noso time estava preparado para vencer - afirmou Nunes ao LNET!.

Os ingleses acabaram o duelo atordoados, admitindo a tamanha superioridade brasileira. No Brasil, uma verdadeira festa começava. O Flamengo se tornava, naquele momento, o maior time do mundo, com os maiores craques do mundo, com um futebol inesquecível.

FLAMENGO 3x0 LIVERPOOL
Mundial Interclubes de 1981

Local: Estádio Nacional, Tóquio (JAP)
Data: 13 de Dezembro de 1981
Árbitro: Rúbio Vazques (México)
Gols: Nunes 13', Adílio 34' e Nunes 41' do 1° tempo

FLAMENGO: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Técnico: Paulo César Carpeggiani.
LIVERPOOL: Grobbelaar; Neal, Thompson, Hansen e Lawrenson; Lee, Souness, McDermott (Johnson) e Ray Kennedy; Dalglish e Johnstone. Técnico: Bob Paisley.

Com a palavra - Roberto Assaf

Onde você estava na madrugada de sábado, 13 de dezembro de 1981? Se já era crescidinho e morava no Rio de Janeiro não pôde ficar alheio ao carnaval que tomou conta das ruas da cidade logo depois que o árbitro mexicano Rubio Vasquez deu por encerrado o espetáculo que teve palco o gramado do Estádio Nacional de Tóquio, onde o Flamengo, com um futebol de dribles desconcertantes e de irresistível toque de bola goleou o Liverpool por 3 a 0, ganhando o título mundial interclubes.

O Liverpool chegou à capital do Japão carregando a fama e o respeito alcançados com pelo menos oito títulos importantes obtidos desde 1976, quando o técnico Bob Paisley deu forma definitiva ao time: um da Copa da Uefa (1976), três da Liga dos Campeões da Europa (1977, 1978 e 1981) e quatro do Campeonato Inglês (1976, 1977, 1979 e 1980). Os ingleses também desembarcaram credenciados por eliminarem o Bayern de Munique nas semifinais e pela vitória de 1 a 0 sobre o Real Madrid, na decisão continental daquele ano.

Vale lembrar para você, que é mais jovem, e para os que começaram a perder a memória, que não existia TV a cabo e internet, o que impossibilitava ao torcedor - seja de onde for - acompanhar de perto o que se passava um pouco além dos seus olhos. Assim, os jogadores do Liverpool olharam para a rapaziada do Flamengo com indisfarçável ar de superioridade, certos de que não teriam muitas dificuldades para derrotá-los. Assim, todo rubro-negro deveria agradecer todos os dias ao esforço da TV brasileira, que transmitiu ao vivo, e a cores, uma das maiores exibições de um time de futebol.

Pois é. Já no intervalo do duelo, o esquadrão de Zico praticamente liquidara o jogo, sem dar-lhe oportunidade de reação. Nunes, ainda marcou mais uma vez, aos 42, com chute cruzado: 3 a 0. O Liverpool bem que procurou a bola na etapa final. Mas como encontrá-la? Numa autêntica brincadeira de "barata voa", o Flamengo rolou a bola de pé em pé, e pôr os gringos na roda, na prática, valeu mais que enfiar um caminhão de gols.

Outro detalhe: o Flamengo é o único clube do Brasil que ganhou três títulos importantes num período de 21 dias: a Taça Libertadores em 23 de novembro, o Estadual do Rio de Janeiro em 6 de dezembro e o Mundial em 13 do mesmo mês, todos em 1981. Nem o Santos de Pelé, maior time de futebol de todos os tempos, foi capaz de superar tal marca. Precisou de 108 dias em 1962 para conquistar a Libertadores (30/8), o Mundial (11/10) e o Paulista (15/12). O Paysandu, de Belém, é o que mais se aproximou de tal façanha, em 2002: ganhou a Copa Norte em 28 de abril, o Paraense em 16 de junho e a Copa dos Campeões em 4 de agosto. Total: 68 dias.

Mas também vale destacar aqui que praticamente todo o pessoal presente em Tóquio - os titulares, além de Cantarelli, Figueiredo e Anselmo, que estavam no banco - mais Rondinelli, o "Deus da Raça", que deixou o clube antes da memorável conquista, foram revelados na gestão Hélio Maurício, na qual começou, efetivamente, a lenda do "craque o Flamengo faz em casa".

Se você é jovem, queira acreditar, é tudo verdade. Se você já está, digamos, mais veterano, não esqueça, nada disso é lenda.


Entrevista com os heróis da conquista
Qual a primeira lembrança que você tem do título mundial do Flamengo?

Raul Plasmann (Atualmente, trabalha com as divisões de base do Cruzeiro)
Foi a consagração, independente de ser de clube ou seleção, me senti realizado. Lembro que cheguei no topo do mundo naquele momento. Tenho todos os títulos que um jogador pode ter. Foi o ápice de uma carreira.

Leandro (Dono de pousada em Cabo Frio)
A coisa que lembro bastante é assim que o jogo acabou. Quando chegou no fim, eu já sabia que iríamos ser campeões, pois estava 3 a 0. Olhava em volta e não via a torcida do Flamengo. Sentia falta disso, e por um instante fechei os olhos e mentalizei eles. Assim, pude comemorar com todos. Pude sentir como eles estavam no Brasil.

Marinho (Trabalha como olheiro em Londrina, além de construção civil)
Tínhamos a tranquilidade de dois títulos consecutivos. Falava-se bem do Liverpool, mas não eram páreo para gente. O que me marcou mais foi pensar na volta, queria ver aquele povo muito doido.

Mozer (Treinador do Portimonense-POR)
Lembro da vitória, da trajetória, da dificuldade, do adversário fazer pouco caso do nosso time, menosprezando individualmente e coletivamente. Isso foi motivadror para que conseguíssemos ter a grande vitória que tivemos. Ficou evidente isso na nossa atuação.

Júnior (Comentarista de TV)
Passou um filmezinho de toda aquela caminhada. Foi a consolidação do trabalho que foi iniciado em 1974. Em 81, foi a junção de três gerações. Sete anos para chegar aonde chegamos. Foi algo que marcou todos nós, todo aquele grupo mereceu. Adorávamos jogar juntos, jogávamos com prazer.

Andrade (Treinador de futebol)
A importância que teve foi única, para mim nada é comparável aquela comemoração de título mundial. Foram três jogos, três decisões e ganhamos todos. Estávamos no auge. Em tudo: fisicamente e taticamente. A maioria era da Seleção Brasileira. Sabia naquele momento que estava entrando para a História do Flamengo.

Adílio (Trabalha nas divisões de base do Flamengo)
Foi demais. Nosso time jogava por música. Todos éramos amigos e somos até hoje. O time era completo. Só tinha craques e grande campeões.

Zico (Treinador da seleção iraquiana)
A primeira coisa que pensei foi o fato de não ter a torcida do meu lado. No mundial, isso faltou, e era o mais importante, ter todos incentivando, torcendo. Isso me fez muita falta. Vi ao redor e ela não estava lá, mas sabia que todos estava realizados, como nós. Falava para todos no grupo que não podíamos perder o gosto de ganhar, manter a pegada. Essa vontade tem que prevalecer, seja em pingue-pongue ou em bola de gude.

Lico (Atualmente mora em Santa Catarina)
Pensei que estava acontecendo a conquista maior do clube e a realização de cada jogador que fazia parte daquilo. Todos lutaram muito. Foi o nosso maior feito, o de uma geração campeã. Não é fácil, se fosse fácil não teríamos comemorado tanto e não teria o mesmo valor. Foi inédito e memorável.

Nunes (Assessor do prefeito de Macaé)
Quando lembro penso que eu sou campeão do mundo. Essa é a palavra que todos usam, não é? Somos campeões do mundo. Os outros torcedores têm de aturar isso. E você é campeão? Não. Aqui no Rio de Janeiro é só o Flamengo.

Tita (Treinador do Necaxa-MEX)
A lembrança que ficou guardada é quando estávamos recebendo a taça, estava logo atrás do Zico e do Leandro. O Raul olhou pra mim e disse: "Aproveita este momento que nunca mais vai se repetir. É único". Tem momentos que são assim, este foi e não se repete, só na minha memória.

Paulo César Carpegiani (Treinador de futebol)
Sabia que poderíamos conseguir aquilo. Lembro de todos estarmos com o sentimento de dever cumprido. Foram três decisões seguidas e aquela consagrou uma geração de ouro. Nosso nome estava cravado de vez na História. Só não esperava um começo tão bom como treinador.

Francisco Moraes (torcedor, um dos fundadores da Raça Rubro-Negra)
Já fui a 73 países. Gastei tudo que tinha, mas não perdi um jogo do Zico. Em 1981, a passagem do Rio para Tóquio custava US$ 14 mil, dinheiro que não tinha na época, mas consegui um desconto com a embaixada japonesa, que tinha interesse em expandir o turismo em seu país. Acabou ficando por US$ 3.200, em dez prestações. Ao todo, 46 torcedores viajaram, mas só 17 ficaram na arquibancada, e os demais foram para as tribunas. Fiquei entre os 17, e treinei os japoneses (contratados pela Toyota, patrocinadora do jogo) a torcerem pelo Fla. Comprei pano para fazer as faixas, aprendi a escrever o nome do clube em japonês e ensaiei os gritos de guerra da torcida com o público de lá. Hoje não tenho mais condições de fazer o que fiz, mas faria tudo de novo. Foi o dinheiro mais bem gasto da minha vida.

Análise tática - Mauro Beting

Análise Liverpool

O Liverpool foi disputar o Mundial com oito titulares da final da Liga da Europa que se repetiram no Japão. Fora Alan Kennedy, mais duas trocas: na meta, o titular em Tóquio foi o sul-africano Grobbelaar (que atuava pelo Zimbábue), bom goleiro que obrigara o ídolo Ray Clemence a trocar 11 anos de Liverpool pelo Tottenham. No ataque, David Johnson, o atacante mais à esquerda em Paris, no 4-3-3 montado para vencer o Real Madrid, foi substituído no Japão por Craig Johnston, mais um meia-atacante que um homem de frente, australiano nascido na África do Sul, que teve como maior contribuição no futebol o design e o desenvolvimento da chuteira Predator da Adidas, depois de ele ter pendurado as próprias.

O 4-3-3 que variava para um 4-4-2 armado por Paisley no Japão deixava clara a intenção do manager: esperar o Flamengo e especular no contragolpe. Confiando na boa fase de Grobbelaar, no apoio do bom lateral-direito da Seleção Inglesa Neal, na solidez pelo alto dos entrosados zagueiros Thompson e Hansen, e, vá lá, na capacidade de marcação de Lawrenson.

No meio-campo, o melhor do Liverpool. McDermott, Souness (escocês) e Ray Kennedy faziam de tudo um pouco. E muito bem. Marcavam como se fossem volantes, e sabiam organizar como meio-campistas de área a área. Difícil precisar a posição real deles. Movimentavam-se e finalizavam com qualidade. Dando suporte ao ótimo Dalglish, e aos esforçados homens de frente Lee e Johnston. A movimentação da turma de frente fazia o 4-3-3 de Paris virar um 4-4-2 em Tóquio. Lee fechava à esquerda, com Mc Dermott mais aberto à direita para travar Júnior. Eventualmente, Lee caía pela direita, com Dalglish ou Johnson abrindo pela esquerda.

Análise Flamengo

Além do entrosamento e bagagem, tecnicamente o time de 1981 do Flamengo era melhor. E taticamente mais evoluído. Foi o primeiro grande time brasileiro a repetir a ideia do time do Brasil de 1970: um 4-2-3-1. Tita e Lico eram meias abertos pelos lados, com Zico centralizado e próximo do pivô Nunes. A diferença absurda para todos os times de hoje que abusam do 4-2-3-1 era a qualidade técnica. Além da ofensividade: os laterais Leandro e Júnior eram quase pontas. O meia Adílio dava um pé como segundo volante mas, muitas vezes, era um quarto armador. O volante Andrade marcava e jogava demais.

O mesmo 4-3-3 que o Flamengo usava em 1981, com Tita (ou Chiquinho) e Baroninho pelas pontas, até a entrada em definitivo de Lico pelo lado esquerdo, mais recuado, na goleada de 6 a 0 diante do Botafogo, em novembro, pelo Estadual daquele ano. A partir daí o time deu liga. E deu três títulos em 21 dias.

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